Reflexões inanimadas sobre a Tortura - PARTE 2


Porão da Ditadura


No caminho eu tentava imaginar como seria a casa do tenente, um casarão talvez, algo luxuoso, mas não muito exagerado, diferente da casa do seu Figueiredo que possuía alguma quantia de sobra, podendo prover certos luxos à esposa, dar agrados aos netos e empregar a Benedita como a arrumadeira e cozinheira da casa. Onde eu seria colocada, na sala de estar, próxima a varanda, ou quem sabe no escritório. Meio a essas especulações o jipe chegou ao seu destino, resmungou algo sobre o gosto do combustível e gritou com os outros automóveis que responderam com a mesma selvageria.


Realmente era um casarão, mas de aspecto velho. Portão de ferro logo na entrada, muro alto, jardim amplo sem grama ou flores, apenas um pé de goiaba nos fundos, pois os da frente foram cortados, soldados de guarda logo após o portão e em frente à porta de entrada. Terraço em “L”, sem nenhum móvel, janelas de madeira, mas haviam grades chumbadas por fora. Os soldados batiam continência com a aproximação do tenente, com apenas um movimento da cabeça os subordinados relaxavam. Passamos a porta de entrada, a sensação que o local transparecia era pesada, ambiente um pouco escuro com luzes amareladas, no lado esquerdo uma pequena central de comunicações, telefones e mesas de telégrafos, esses equipamentos conversavam entre si em uma linguagem que eu não compreendia, sinais elétricos que distorciam o ar, mas eu percebi que estavam alegres com a conversa, à direita uma estante com suporte para armas, todos os suportes estavam ocupados e as armas falavam frenética e repetidamente uma única palavra “ ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ATIRAR, ”.


Eles continuaram a me levar, havia na estrema direita uma escadaria para o primeiro andar, achei que iriamos subir, mas continuamos pelo corredor, portas trancadas ficavam para trás, uma das portas que passamos o hino nacional estava tocando em um rádio. Chegamos a ultima porta, que estava aberta e dava para uma escada que descia para o subsolo, para o porão.


O clima era opressor, um corredor escuro com cheiro forte de cloro que mascarava o odor de sangue e fezes, haviam quatro celas naquele lugar, duas de cada lado e estavam vazias, no fim do corredor outra porta nos esperava, de metal, espessa com uma escotilha por onde se via o interior da sala que nos esperava. Cruzamos a porta para um comodo grande para o subterrâneo, seis metros de largura e dez de comprimento e três de altura, divido em duas áreas, uma como escritório, ou algo parecido, com uma escrivaninha velha, um armário metálico, uma lampada amarela e refletores desligados, essa antessala possuía dois metros de comprimento, pois a maior parte do comodo era voltado para a cela.


Uma grade de barras de ferro dividia a antessala e e cela, a porta foi destrancada, os soldados que me carregavam entraram e me colocaram com cuidado no centro da prisão, voltaram a antessala em seguida e o tenente os dispensou, agora estávamos sós.

- A cela esta quase completa - o tenente pensou alto - a sala da verdade, pois aqui eu descobrirei qualquer coisa - sentou - e você vai me ajudar a descobrir a verdade.


Ele me deu uma tarefa que eu não conseguia compreender.

- Quem sentar aqui será compelido a dizer a verdade... A qualquer custo - olhou para os braços da cadeira - Preciso colocar cintas de couro bruto, arames de zinco, mas com cuidado para não danificar a madeira. Ah sim! Fivelas nas pernas da cadeira - Ele olhou para os lados - Um tonel grande, a “pimentinha” - olhou para cima e viu os ganchos - Pelo menos quatro metros de corrente com algemas - saiu da cadeira olhou para trás - O Pau-de-Arara.

O tenente ficou de pé, andou em volta da cadeira e parou atrás do móvel, sacou um canivete e talhou na parte de cima do encosto. Gravou quatro letras em caixa alta “M” “A” “A” “T” “E”.

- Maat é a deusa egípcia da verdade e ordem, a letra “E” do final significa exercito e induz outros significados, será seu nome a partir de hoje para sempre, nenhuma verdade ficará oculta, você é uma deusa nessa cela, esse é o seu poder e nós iremos usa-lo para arrancar verdades - Fonseca saiu da cela - Vou buscar os outros itens... - Saiu da sala e continuou falando no caminho.


Não havia mais nenhum humano no local, apenas objetos, e o silencio durou poucos segundos. A grade de ferro rosnou como um animal feroz, o gancho do teto começou a chorar copiosamente, os dois refletores conversavam eletricamente, de uma forma embolada, a escrivaninha e o armário também conversavam entre si.

- Quem vai ser o primeiro a experimentar a sala, agora que houveram as modificações? - Perguntou a escrivaninha
- Eu não tenho certeza, mas pelo que os arquivos falaram tem um dos lideres que foi capturado na semana passada que vai vir para essa casa.
- Se for um líder ele não vai ser o primeiro, vão querer quebrar os menores, ouvi dizer que pode ser o professor de historia, principalmente porque não fizeram nada com ele...
- Ah é? Já sei que esse professor vai gerar alguns arquivos para minha degustação, hahahaha. Ei você, Maate, é assim não é? - perguntou à escrivaninha - Você sabe de alguma coisa?


Maate respondeu a pergunta de forma tímida, mas não foi ouvida pelo barulho que os outros faziam.

- Calem a boca seus desgraçados, deixem Maate falar. - Todos se calaram.
- Eu não sei de nada - Maate respondeu meio abalada - Não sei nem por que eu estou aqui, me doaram quando meu dono morreu e agora os militares me colocaram aqui... O que esta havendo?
- Então você vai sofrer muito - respondeu o armário.
- Mas porque?
TORTURA! - Gritou o gancho - DESESPERO, CHORO, SUPLICA, ÓDIO, TORTURA, MORTE! - Voltou a chorar.
- É isso, eu e a escrivaninha somos antigos aqui, mas não perdemos... Muito... de nossa sanidade. Olhe a sua volta - O falatório e os ruídos voltaram - Nenhum de nós foi feito para o que acontece aqui.
- A não ser as armas de fogo - Acrescentou a escrivaninha.
- É verdade.


Maate voltou a ouvir os lamentos dos objetos, percebeu que as grades das celas que viu antes também rosnavam ou gritavam, as portas, corrimão, os poucos moveis e aparelhos diversos de toda casa, tudo gritava de alguma forma, era um péssimo lugar para se ter consciência.


Horas depois dois soldados entraram na cela, com trenas mediram o espaço da porta e a área em volta de mim.  Era curioso, sempre que os soldados entravam os objetos se calavam ou falavam mais baixo, pareciam ter medo. Os dois primeiros saíram e outros dois entraram, um dele trazia uma caixa de madeira e uma pequena bolsa de ferramentas.

- O tenente disse o que tem na caixa? - Perguntou o soldado.
- Não, ele só disse que precisa de uma armadura e para termos um cuidado extremo ao trabalhar com ela.


Seja lá o que o tenente pensou, aquilo não me parecia uma armadura. Tiras e cintas de couro bruto, marrom escuro e textura grosseira, placas de zinco de comprimento um pouco maior que o meu assento, mas a largura era de apenas um centímetro e por ultimo, um forro com duas peças de couro costuradas, a primeira peça era inteira crivada de pregos com tamanhos variados e costurado a essa peça vinha outra e escondia as cabeças dos pregos, esse forro foi colocado sobre meu encosto, as placas de zinco coladas sob o assento , com cola de madeira, e o couro amarrado em meus braços e pernas. A cola me deixou inebriada, sensação que senti em minha criação, mas eu me senti poderosa. Mais soldados entraram na cela deixando novos objetos, colocando-os a minha volta.


A minha direita foi colocado uma maquina grande, pernas de madeira e um gerador a manivela, com um par de fios e na ponta eletrodos, a pimentinha. A esquerda um cavalete de ferro, com uma haste na horizontal, O Pau-de-Arara e na diagonal esquerda, bem próximo de um ralo, um tonel grande, verde escuro com alças de corda, o afogador. A corrente foi presa no gancho e uma mesa no fundo. Passado algumas horas de arrumação o tenente apareceu para inspecionar o local.

- Daqui cinco dias, senhores, essa cela vai ajudar a acabar com comunistas e... - olhou para Maate - Todos vão temer esse local, porque contra uma deusa - apontou para Maate - Nenhum homem é capaz.


Depois desse breve discurso o tenente foi embora, após alguns minutos os outros soldados também, agora apenas os objetos enchiam o local. O Gancho já ia começar a chorar quando a corrente o confortou.

- Esta tudo bem meu bebe, não precisa chorar mais, eu estou aqui. Por favor perdoem os choros dele - A corrente tinha uma voz suave, era como uma cantiga de ninar - Ele era um pedaço de ferro maior, mas foi cerrado e retorcido, agora regrediu a ponto de apenas saber chorar. Você também grade, não precisa mais rosnar. - A grade não parou totalmente, mas seus rosnados jã não eram tão gritantes.
- A mãezona se acha a especial, - Falou a pimentinha, com sua voz debochada - mas ao menos silencia essas “crianças”, o problema é essa tal deusa que o nobre tenente falou... UMA CADEIRA! Você não é ninguém até provar algo - Algumas palavras saíram na linguagem elétrica - Você é apenas um amontoado de madeira e pregos, você não é deusa de nada.


A Pimentinha era implicante! Uma desgraçada, arrogante só por ter eletricidade em seu corpo, faz escândalo, quer ser sempre a melhor e se acha a preferida do tenente. Raiva dela!

- Não seja ríspida com a novata - O pau-de-Arara interviu, uma voz intensa,de tenor - Ela não tem culpa pelos delírios do tenente.
- Me perdoem, eu não queria causar mal estar, estou perdida, ainda não me falaram...
- Não se faz de coitada! - Pimentinha interrompeu Maate - Quer ser superior, você não me engana!
-Silencio! - Rosnou O Pau-de-Arara e não ouve mais vozes.


O Pau-de-Arara era velho, bem velho, antigamente era um trilho de trem de alguma parte da Europa, que foi trazido para o Brasil, reforjado, lixado e soldado, um item pessoal do tenente. O mais sábio dentre os objetos do complexo, mas era um perverso em seu intimo.

- Já que não te explicaram - Ponderou por um tempo - Eu faço as honras. Estamos em uma guerra contra o regime comunista, nós pertencemos aos militares, nosso trabalho é torturar os comunistas, para que os mesmo nos deem informações sobre suas militâncias.
- Mas o que é tortura? - Indagou Maate.
- Tortura... Corrente, por favor, cante para nos.


A corrente era como a Dona Helena, doce, mas com muita tristeza em seus elos, sua função aqui era como mergulhar em um mar de depressão, mas por ser aço ela duraria muito. A musica começou, o gancho dormia como um bebe e o portão estava mudo.

- Tortura é dor, Maate. É o ato de infligir dor em um ser vivo, de qualquer forma, física ou psicológica, para que o mesmo o obedeça, se entregue, se quebre, desista. A tortura é uma ação simples, mas que se desdobra em inúmeros métodos e com um único proposito, a submissão. Faz o ser vivo clamar por piedade, fazer loucuras para sobreviver, matar, trair - O Pau-de-Arara estava quase aos berros, mas se conteve - A tortura é uma arma, nos somos os instrumentos e você Maate, tem de ser a deusa desse lugar.


Não se falou mais uma palavra por horas, nem a pimentinha questionou. Pau-de-Arara possuía lealdade inquestionável, pois mesmo o tenente me colocando em uma posição de superioridade ele estava bem com isso e me apoiava. Tortura era um assunto difícil de ser falado, eu entendi a teoria e era horroroso, mas eles já haviam presenciado, eu não, e não fazia ideia do que esperar. Uma voz rouca e triste chamou atenção de todos.

- Tenho sede, muita sede.


Era o tonel, o Afogador. Igual um alcoólatra, mas seu vicio era em água, quando vazio estava sempre triste, cheio ficava alegre, entorpecido, quanto mais cloro na água ele adorava, quanto mais suja ele gritava. Eu ficava na duvida se ele era um viciado ou um perverso.


De manhã cedo ouvimos gritos, choros e suplicas vindo das celas anteriores. Os soldados xingavam, debochavam, surravam. Faltava pouco para a sessão de tortura.


Tarde da noite naquele mesmo dia, o tenente entrou na cela, todos estavam mudos e o cheiro de cachaça tomou conta do local. O tenente estava bêbado, sem transparecer seu estado, estava com uma bolsa nas costas e um galão cheio na mão direita. A primeira coisa que fez, foi abrir o galão e despejar dentro do tonel, apenas trinta litros de água saturada de cloro, quase nada, mas fez o Afogador ficar feliz.
- Eu sei que você gosta disso - disse o tenente.


Segurou na manivela da Pimentinha e girou, girou varias vezes, os eletrodos estalavam com a eletricidade. Ela gritava de prazer, gemia fogosa, pedia mais, com mais força, mais rápido, o tenente parecia estar ouvindo os pedidos, ele girou até o ponto que a Pimentinha perdeu os sentidos de tanto prazer, então parou.

- Perfeita!


Foi para O Pau-de-Arara, rasgou um pedaço de estopa e algum produto para lustrar metais. Foi trabalhando por toda extensão da haste. O velho estava emocionado com o cuidado de seu dono.

- Quero você brilhando para manhã.
- Sim senhor!


Ao finalizar ele se dirigiu a mim, olhou-me por um tempo e soltou a couraça com pregos, sentou. Ele passou um bom tempo apenas sentado, alisando a madeira de meus braços.

- Por mim - Um desabafo - você estaria em meu escritório, ou meu quarto, mas é pela missão que eu abro mão de uma peça tão linda e bem trabalhada. Ontem eu estive em sua antiga casa - Aquilo me pegou de surpresa - aproveitei para saber quem foi o artesão que lhe construiu, infelizmente ele havia partido, voltou para Pernambuco, mas felizmente deixou alguns moveis a venda, adquiri alguns. Soube que seu dono morreu sentado, a morte é interessante mesmo, imagino que se isso não tivesse ocorrido esta cela são estaria completa, não posso agradecer a morte dele, o que posso fazer é melhorar esse país.


Após terminar seu discurso se apoiou nos joelhos e ficou de pé, recolocou a couraça e partiu. O tenente era uma incógnita, ele era um homem serio, centrado, mas possuía uma escuridão em seu amago, uma frustração que pairava em sua cabeça e loucura em seus olhos, mas não sei quando ficou assim, oque eu sei, é que o dia chegava a galope e logo, logo a tortura começaria.


Já nas primeiras horas da manhã aporta de madeira foi aberta com força. Um saldado usando uma mascara, que tapava boca e nariz, arrastava uma mulher nua, que devia ter entre 40 e 50 anos, cabelo desgrenhado e olhos fundos, vários hematomas nas pernas, nas costelas era aparente a marca na sola de um coturno militar, ela foi jogada no chão, o soldado colocou uma mangueira dentro do tonel. Mais cinco entraram, o torturador com uma mala grande carregando com ambas as mãos, mais um soldado, um escrivão já se adiantando em pegar arquivos e sentar na escrivaninha velha, o interrogador e por ultimo o tenente.

- Maria Medeiros de Assis - Falou o interrogador - Acusada de estar ligada a movimentos comunistas, antimilitar, de ajudar grupos comunistas.


O interrogador varias outras coisas, enquanto ela foi algemada e presa no Pau-de-Arara. O torturador abriu a mala na mesa no fundo da cela e tirou alguns metros de corda, cortou dois pedaços de dois metros e acendeu um cigarro. A mulher ficou suspensa na haste de metal brilhante, os soldados amarraram as cordas nos tornozelos.

- Líder do grupo, qual o nome dele? - Ela não respondeu.


O torturador estapeou o rosto dela e esperou, sem resposta, mais tapas e socos explodiram em seu rosto, o sangue sujou o chão. Eu nunca tinha visto sangue, muito menos alguém sendo espancado, eu queria gritar para eles pararem. Depois de uma longa tragada no cigarro, o torturador encaixou a boca no nariz dela e soprou toda a fumaça pelas narinas e enfiou os dedos dentro da boca de Maria.

- Vamos para uma mais fácil, você ajudou alguém a sair do país?


As vias aéreas dela foram livradas, Maria já estava vermelha, expeliu fumaça ao mesmo tempo que tossia e tentava respirar, mas sem nenhuma resposta. O torturador apontou para o Afogador, já cheio de água branca por conta do cloro, ela foi desalgemada e arrastada pelo cabelo para próximo do tonel. O afogador ria, deliciando-se com a água.

- A pergunta é a mesma senhora - Insistiu o interrogador.


Eu queria muito que ela respondesse, mas ao invés disso...

- Abaixo... - Falou sem folego.
- Como é, sua filha da puta? Eu não entendi!
- Eu disse... ABAIXO militares!


Nenhuma ordem foi dada, o soldado afundou a cabeça dela na água, ela se debatia, brigava contra o braço forte e não vencia, o torturador mandou levantar, ela respirou forte, tomando o máximo de folego que podia, logo veio um soco entre os seios e a cabeça para a água novamente, o Afogador ria alto, foi ai que percebi que ele era um perverso, sádico, que gostava daquilo, ele só precisava estar cheio de água. A cabeça foi retirada, sem folego, com muita dor e a ardência provocada pelo cloro, iria vomitar, o soldado ia move-la para vomitar fora.

- Não! - gritou o tenente - dentro e afoga novamente, essa prostituta comunista de merda.


Quem afundou foi o torturador, pois estava de luvas, a água turvou amarelada e espumou reagindo com o cloro, o torturador tirou rápido da água e a jogou no chão, o rosto dela bateu na borda do tonel e no chão duro.

- RESPONDA SUA PUTA? VOCÊ ODEIA SEU PAÍS? ELETRICIDADE!


Pimentinha começou a soluçar. 

- Aprenda, amontoado de madeira, aprenda a torturar!


O soldado girou a manivela com força, ela gozou de prazer quase que instantaneamente e disse “É por isso que eu gosto do Paulo, ele sabe fazer”. Os bastões faiscaram. O torturador tirou um objeto de borracha em forma de meia lua e jogou para o soldado.

- Coloca na boca dela, puxa a corda da perna esquerda, quero a parte interna da coxa.


O soldado puxou com força, fez ela abrir as pernas e ficar em posição extremamente vexatória. Sem demorar o bastão tocou a pele de Maria, ela se contorceu, os vinte dedos se dobraram e um grito rouco partiu de sua garganta, afastou o bastão e investiu novamente, mas dessa vez mirou em suas partes intimas, o mesmo contorcionismo, mas dessa vez sem o grito, ela estava em choque, seus olhos arregalados eram vermelhos como sangue. Pimentinha não parava de gritar e gemer, se fosse uma pessoa ela entraria em colapso, mas nos objetos aguentamos, temos de aguentar.

- Para a cadeira! - Ordenou o Tenente Fonseca.


Maria foi jogada em mim, os pregos da couraça rasgaram as costas dela, os dois soldados prenderam braços e pernas nas alças de couro bravo, e fizeram questão de roçar na pele e jogar sal grosso. Eu estava chegando no limite, queria que chamas me consumissem, a Pimentinha ria de mim, o tonel enlouquecido bebendo a água imunda, O Pau-de-Arara cantarolando o hino nacional. Maria com os olhos vermelhos olhou bem para a situação em que estava, o torturador vinha de encontro com ela, para executar mais um método, eu não aguentei.

- RESPONDA AS PERGUNTAS, AGORA! - Maate ordenou.
- O nome dele é Thiago Alberto Martins, o líder do grupo... POR FAVOR CHEGA, PAREM COM ISSO, EU DESISTO!


Claro que foi uma coincidência, minha ordem junto com a desistência dela foi um acaso, mas foi um acaso perfeito. Todos ficaram perplexos e até acreditaram no impossível por alguns segundos, mas logo voltaram a razão e viram uma simples coincidência, todos menos um.


O tenente se controlou para não entregar o que sentiu, pois foram preciso segundos sentada e ela desistiu, para ele, eu havia realmente compelido Maria a responder, quando nenhum método quebrou a resiliência daquela mulher, eu, Maate consegui. o Afogador e O Pau-de-Arara me parabenizaram, enquanto a Pimentinha dizia que havia sido sorte e resmungou na linguagem elétrica. Os soldados comemoraram e o torturador retirou as luvas para descansar um pouco.

- Conduzam-a para a cela e tragam outro, comuniquem ao comando maior, tragam esse Thiago Alberto Martins e aqueles que estão mais próximos, sejam eles militantes, amigos ou família - Ordenou o Tenente - pensando bem - interrompeu - Descansem um pouco, daqui uma hora voltamos.


Eles adoraram a pausa, arrastaram Maria para as celas do lado de fora, saíram juntos, conversando, em um momento de descontração, um bando de sádicos sem coração. De pé olhando fixamente para mim estava o tenente Fonseca, olhos vidrados, uma das mãos tremulas, ajoelhou-se a minha frente segurando forte em minha estrutura.

- Eu sei que foi você - sussurrou - Eu acredito, você fará a diferença, ninguém aqui vai ser tão eficaz quanto a tua vontade.


Ele pensou em falar mais, mas desistiu, pegou pano embebido em algum produto de limpeza e me limpou, terminado o trabalho foi embora. Me deram um proposito tão bárbaro, tão sangrento, aquilo não era pra mim, mas o que posso fazer, apenas sirvo e talvez eu me tornasse como eles, como todos nesse complexo.


Aquela uma hora passou, por algum motivo o torturador me cobriu, um lençol negro que nada falava, bloqueando a visão do próximo torturado. Um homem foi jogado na cela, os equipamentos de tortura voltaram a excitação, a sessão começou, com seus cinquenta anos e expressão assustada, a sua ruína, o torturado estava ajoelhado ao lado dele falando junto do ouvido, frases terríveis, de horror e morte, provocações e principalmente ameaças, pois aquele homem tinha família, uma bem grande por sinal. Estava de ponta-cabeça, a pele vermelha e lagrimas escorrendo de seus olhos, as perguntas eram repetidas a gritos no ouvido esquerdo, ameaças no outro ouvido, até um tapa explodir na lateral esquerda da cabeça, a pancada estourou capilares devido ao acumulo de sangue por conta da posição em que ele se encontrava, a mancha vermelho-escuro crescia perto do olho.

- Seu Genoaldo, as perguntas não são muito complicadas e se você falar tudo isso acaba, eu só vejo vantagem para o senhor.


Enquanto o torturador enchia os ouvidos do homem com palavras bonitas e belas propostas e Fonseca saiu de seu lugar, andou até o meu lado e esperou um tempo. Seu Genoaldo estava meio aéreo, sem foco, seu olhar perdido vagava pela sala até perceber o tenente parado ao meu lado, mas aos olhos do homem, nada de bom viria de um item escondido por um pano negro.

- Esqueça - O tenente deu os ombros - Se esse vagabundo comunista não vai cooperar, vamos deixa-lo com Maate.


O tenente puxou o lençol que me cobria, Seu Genoaldo ficou espantado, a sucessão de gritos e o golpe em sua cabeça o deixaram desnorteado, psicológico abalado, uma presa fácil. Algemas abertas, ele caiu no chão, gemia sem forças, foi jogado em mim, minha couraça de pregos rasgou as costas dele, os soldados apertaram as fivelas nos pulsos e tornozelos, estava subjugado, chorava como um bebe. Antes de qualquer coisa ouvi a Pimentinha gozando, fazendo seu escândalo de prazer, eletrocutaram o homem encostando os bastões nas placas de zinco, ele arqueou o corpo para frente e o sangue desceu por seus lábios, pois um pequeno pedaço da língua foi partido com a força da própria mordida. Um dos soldados pegou uma vara de madeira e empurrou o homem contra os pregos, agora a corrente elétrica passava por mim completamente, segundos que pareceram horas e agora eu ouvia a Pimentinha, os refletores, telefones e o telegrafo, agora eu os entendia.

- Pimentinha! Cale-se, sua vagabunda, você não é nada alem de uma puta imprestável!


Eu gritei para todos os equipamentos que entendiam a linguagem elétrica, Pimentinha nada falou, ficou espantada com a minha raiva, tanto que parou com seu gozo, a correia do gerador interno saiu das catracas, no mesmo momento que esbravejei, os estalos de eletricidade pararam.

- E você Genoaldo! Você vai parar com essa choradeira, vai pensar nas perguntas deles e vai responder... AGORA SOU EU QUE TE ORDENO! - Rugiu Maate.


Raiva, pura e simples, pois eu estou farta de toda essa situação e o único modo disso acabar é fazendo eles falarem. Ele olhou para os lados, assustado, investigava o ambiente, os militares percebem a mudança repentina do homem que parecia estar bem mais lucido, então eu ouvi um murmurio.

- Eu falo - Um sussurro quase inaudível - só não grite mais. - suplicou.
- Ei! Ele falou alguma coisa? - Indagou o soldado que estava ao lado - Ele falou algo, fala mais alto seu vagabundo!


Ele começou a responder as perguntas, voz embargada e chorosa, estava envergonhado, mas um outro sentimento apertava seu pescoço, era a duvida, mas dessa vez eu que tinha certeza, ele havia sussurrado a mim, ele me ouviu, mas não sabia que havia sido eu, achou que foi loucura de sua cabeça e aquilo o quebrou.

Eu não havia percebido até agora, Genoaldo é o professor de historia que eu ouvi falar dias atrás. Ele passou um bom tempo na geladeira, sentindo frio e calor ao extremo, foi privado de sono e ao chegar aqui foi ameaçado. Ameaçaram estuprar as filhas na frente dele e da esposa, ameaçaram prender amigos e torturar seus alunos, alegando que era só fazer uma denuncia e todos cairiam no porão. Ele sofreu muito menos que Maria, mas desistiu fácil, torturas mentais são mais eficazes que as físicas? Ou depende do torturado? Tenho muito o que descobrir.





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