Reflexões inanimadas sobre a Tortura - PARTE 4

Fazer o que precisa ser feito


Um novo dia raiou, o sol entrava por algumas janelas naquele porão, o movimento naquele dia era intenso, os boatos do acontecido na madrugada eram comentados a todo instante, diziam que o soldado surtou vendo tanta tortura, outros falavam que alguma coisa estranha acontecia naquela cela, mas o fato é que poucos sabiam da verdade, ou viram algo estranho acontecer. Os novos prisioneiros chegaram, alguns deles demoraram para serem achados, um deles foi treinado por remanescentes da guerrilha Cubana do Che Guevara, havia um organizador de vários movimentos e outros eram estudantes. O tenente os organizou e fez questão de mostrar a cela, na verdade, ele fez questão de me mostrar. Os oito estavam parados lado a lado, alguns maltrapilhos, outros estavam bem, alguns estavam com medo estampado no rosto, o homem que foi treinado pela guerrilha, Pablo Geraldo Macedo, era o único plenamente confiante, ele olhava para os instrumentos com ar de deboche e eu já havia me decidido, pois eu odiei aquela cara dele, eu o iria quebrar de um jeito cruel.


Jorge e o soldado que substituiu Ferdinando conduziram sete deles para as celas, um deles ficou, uma mulher, que não parava de chorar, ela estava ali por causa de uma denuncia da vizinha. Eu já sabia que ela não havia feito nada, o tenente desconfiava que era uma denuncia sem fundamentos, iria tirar essa duvida já.

- Por favor, Dona Cristina, sente na cadeira, com cuidado para não se machucar e me conte porque você não deveria estar aqui.
- Eu não sou comunista - Em meio a soluços ela respondeu - Eu sei quem me denunciou e é tudo mentira.
- Certo, mas essa resposta esta muito vaga.
- Ela me odeia, sempre me odiou, inveja da minha pessoa.
-Não estou nenhum pouco afim de ficar ouvindo historinha - Maate estava impaciente, mas não falou diretamente com a mulher - Conta de uma vez oque aconteceu, se não... Vai ser muito pior.


Cristina parou de chorar, seu rosto era de alguém assustado, mas sem saber o porque, os militares perceberam a mudança e ficaram atentos. Ela curvou o corpo, encolhendo em meu assento, abraçou o próprio corpo, como se estivesse com frio.

- Eu... Eu  transei com o marido dela, em todos os comodas da casa dela, ela me invejava em tudo, minha independência, meus bens, tudo, eu não aguentava mais e precisava me vingar. Esperei ela sair, entrei na casa dela, tirei toda a roupa, o marido dela nem pensou duas vezes, seu pênis ereto trabalhou como nunca naquela noite, eu o destruí com tanto sexo e não poupei nenhum de meus bura...
- Chega! - O Tenente interviu, todos os outros que ouviam a historia pensaram em protestar, mas desistiram - Já ouvi o bastante.
- Meu Deus... Porque eu falei tanto? - A vergonha era insuportável.


Cristina saiu apressada da cela, estava muda e pálida.

- Escrivão - O tenente chamou atenção - Não precisa guardar esse registro, pode se livrar dele.
- Sim senhor! - O escrivão amassou uns papeis, mas o que ele havia escrito não foi para o lixo, foi para o seu bolso.
- Começaremos as sessões logo, a tarde novos prisioneiros chegarão, teremos uma semana cheia hoje rapazes.


O Pau-de-Arara me chamou atenção.

- Isso foi demais não Maate? - O Pau-de-Arara indagou - Você sabia que ela não tinha nenhum envolvimento e mesmo assim, deixou ela continuar com esse vexame?
- Eu não imaginei que ela iria contar tanto do que aconteceu. Eu preciso ser mais precisa em minhas palavras... dependendo do interrogado.


Então o primeiro interrogado chegou, um agitador, demonstrava muita raiva nas ruas e em discursos, mas ali, estava calado, mas sua vontade era forte, ele não iria falar nada hoje, nem amanhã, ele daria trabalho, mas não para mim. Enquanto ele foi insultado, ameaçado, espancado eu apertava sua consciência.

- Agora peça para sentar! - Uma ordem direto em seu subconsciente
- Por favor, deixe-me sentar um pouco.


Os militares nem acreditaram, mas eu queria acabar logo com aquilo, com uma hora de sessão ele falou tudo e o próximo já estava vindo. A maioria das sessões foi rápida, o segundo torturado foi igual ao primeiro eu o quebrei com algumas palavras, o terceiro foi patético, ele se mijou ao passar pelas grades e disse que responderia tudo, disse que era só um estudante e que foi um erro ir contra os militares, os soldados riam da cara dele, os objetos até me perguntaram o que eu fiz para ele desistir tão rápido, mas eu respondi que não havia feito nada ainda. O quarto nem chegou a entrar, era uma mulher gravida que perdeu o bebê por contada situação estressante, o quinto deu um pouco de trabalho, pois ele fazia de tudo para não me ouvir, ele sentiu muito medo em sua tenra idade, por conta de pais abusivos e tinha uma mente fechada, então eu tive uma ideia, fiz uma imagem dos pais dele, como se eles estivessem acompanhando a sessão, fiz os pais dele gritarem com ele, que o xingassem, o enchessem de ameaças e culpa, duvidassem de tudo o que ele escolheu durante a vida, e no fim eu o perguntei:

- Você quer que eu pare com isso?


Depois de muitas lagrimas ele contou tudo. Os militares estavam todos receosos, cheios de medo e duvida, encaravam tudo como um grande circo dos horrores, nunca viram tantas pessoas chorarem de de horror pelo desconhecido, os prisioneiros depois de torturados queriam respostas, enlouqueciam, falavam com as paredes ou nem se quer falavam, os militares não sabiam no que acreditar, pois não viram nem ouviram nada, mas presenciaram coisas inexplicáveis, o único que estava tranquilo com a situação era o tenente, sempre em frente a porta de madeira, com os braços cruzados e expressão carrancuda, menos hoje, pois hoje ele sorria. O sexto prisioneiro entrou na cela.

- O que vocês estão fazendo? O que esta acontecendo aqui? Por Deus! Eu tenho amigos que horas atrás eram inteligente e com a mente saudável, agora eles estão catatônicos e não falam coisa com coisa! - Ele avançou contra o tenente - Que tipo de monstros vocês são? OLHEM PARA ELES! MEUS AMIGOS ESTÃO LOUCOS, ELES ENLOUQUECERAM? POR FAVOR! NOS DEIXEM EM PAZ! - Evandro gritava furioso para o tenente e só parou quanto o soldado Jorge desferiu um soco em seu estomago, fazendo-o se curvar e apoiar um dos joelhos no chão.
- Quanto mais rápido você cooperar - O tenente se aproximou do torturado e explodiu o joelho no rosto do comunista - menos você irá sofrer.
- JAMAIS FALAREI QUALQUER COISA!


Eu estava totalmente sem paciência, não queria esperar nem mais um minuto, esse desgraçado ainda esta fazendo cena. Ele só precisou cruzar a porta da grade, para o sangue cair como lagrimas de seus olhos, seus joelhos fraquejaram e o ar faltou em seus pulmões. Hora do ultimato!

- VOCÊ QUER SOBREVIVER? - Maate rugiu em sua mente


Evandro foi carregado até sua cela alguns minutos depois e o escrivão terminava de escrever os relatos e a confissão. O sétimo chegou, finalmente, expressão sínica e confiante, cabelos longos e desgrenhados, barba por fazer, roupas surradas, corpo atlético e resistente. A mente dele era algo diferente, não era nada sólida, cheio de pensamentos vazios e fugazes, giravam em torno de uma chama que nunca tinha visto, algo novo, que eu precisava desvendar para poder entrar em sua mente.
- Pablo! - O tenente levantou a voz - Tem parentes em cuba, brincou um pouco com os guerrilheiros, voltou ao Brasil. Matou e participou de sequestros contra nossas autoridades, temos algumas perguntas para fazer.
- Perda de tempo, seu "mierda", eu não sou como essas crianças choronas.
- Pablo... Muito fácil falar qualquer coisa enquanto você esta bem e em pé, mas logo você cansa e precisa se sentar um pouco, eu só preciso disso.
-Eu também - Maate estava determinada.


Primeiro colocaram-no na corrente e suspenderam ele no gancho, parecia carne em açougue. Começaram uma seção de socos e pontapés, sua boca estava em carne viva, as genitálias era um dos alvos preferidos, cabelos arrancados a puxões, marteladas nas costelas, a surra não o abalou. Passaram para O Pau-de-Arara, a surra continuava, eles só evitavam a coluna, pescoço e cranio, para ter ele sempre consciente, o torturador fazia algumas pausas para o torturado descanar, cuidava de alguns ferimentos, o tratava para o manter mais tempo em tortura, Pablo continuava calado, eu precisava ajudar, pois ele era durão. Procurei por fraturas que estavam curadas, mas ainda eram sensíveis, achei uma no cotovelo, percebi que ele conseguia deixar essa parte menos a vista e os soldados ignoravam, então plantei a ideia no Jorge, joguei com seu sadismo, claro que funcionou, o cacetete explodiu em seu cotovelo mais sensível, Pablo guinchou de dor, Jorge desconfiou de sua repentina ideia de bater no cotovelo, mas não se importou.


Começou a sessão de choques, mas dessa vez, sem os gemidos inconvenientes da Pimenta. Primeiro choque foi no pescoço, forçando a musculatura superior, e do pescoço foi direto para o anus, contraindo a musculatura inferior, deixando o guerrilheiro exausto, choques nas axilas o fizeram relaxar os braços, piorando o incomodo de sua posição. Nesse momento eu joguei a ideia de um choque no céu da boca, o espasmo fez ele morder o eletrodo e a descarga ser maior, o choque mexeu direto em seu cérebro, ele vacilou por pouco e agora eu via a insanidade de sua mente, ele é um louco e isso seria uma dificuldade a mais. Usaram o afogador, misturaram o afogamento com choques, Pablo continuava com aquele olhar que me deixava furiosa, ele continuava incólume, mesmo estando um lixo humano.

- Cadeira! - Ordenou sem rodeios.


Pablo finalmente estava em meu abraço, preso pelas fivelas couro, com pregos lhe comendo a carne. Sua mente era como um enxame de abelhas, havia uma organização caótica em seus desejos e sentimentos, mas nunca ficavam muito tempo em uma única via, logo explodiam para todos os lados enchiam a cabeça dele com centenas pensamentos incoerentes, aquilo deve ser a loucura, protegia sua cabeça de torturas psicológicas e pior, protegia sua cabeça dos meus ataques. Minha voz não conseguia chegar com clareza onde eu queria, sua consciência rebatia minhas ordens, até para machucar sua alma e sua vontade estava difícil, ou seja, ele estava suportando minha tortura. Eu aprendi o significado de frustração da pior maneira.

- Esta tendo dificuldades minha querida - A Pimentinha atacou com seu cinismo e deboche para limar a paciência de Maate - Você não era imbatível, CADÊ? Não ou vi ele responder nada até agora
- Silêncio sua vagabunda! Você não fez nada de mais nesses dias!
- Mas eu já estou nesse ramo muito mais tempo que você, meu amor, nunca precisei fazer o que você faz, então é melhor você desistir antes que piore sua situação.
- Tudo bem! continua falando ai - Maate se esforçava para não perder a paciência - tenho mais o que fazer!
- Pimenta, deixe a Maate em paz.
- Não Pau-de-Arara! Agora Maate vai me ouvir. Você estava toda cheia de si, com essa sua habilidade e agora não consegue mais, eu acho ótimo você despencar desse seu pedestal de rainha...
- Silêncio...
- Te ver perdendo a calma é fenomenal.
- Silêncio... - Maate agora sabia o que era raiva, sua vontade se espalhava por toda a sala, os holofotes e a luz piscavam.
- Eu só vou parar quando o você entender que o você não é nada!
- SILÊNCIO PIMENTINHA! - Todos ouviram a voz de Maate, os militares ficaram espantados.


Os holofotes brilharam ao máximo, a manivela da Pimentinha começou a girar, um dos soldados tentou segurar.

- SAI DAÍ JORGE! Maate ordenou e o soldado ficou paralisado.


A Pimentinha gritava, horrorizada, a manivela girou tanto que os circuitos fritaram, entrando em curto e queimando, A Pimentinha foi destruída pela vontade de Maate.

- Não se preocupem - Os militares estavam aterrorizados - Eu vou conseguir tirar as respostas desse desgraçado! - Tenente Fonseca ria, estava despreocupado e feliz por ouvir a voz de sua deusa torturadora pela primeira vez.


Eu atacaria a mente dele sem dó, quebraria as defesas que a loucura havia causado, jogaria todo o sofrimento de ter perdido os pais, faria todos os traumas de guerra, que ele sofreu e que sofreram, se voltarem contra ele, eu iria torcer a mente dele do modo mais cruel e meticuloso que eu pudesse, mas fui interrompida, por batidas na porta.

- Senhor! Os novos prisioneiros chegaram!
- Ótimo, pois eu quero que eles vijam os desfecho do guerrilheiro.


Não me importaria com mais espectadores, só que eu fui surpreendida, eu nem sequer lembrava mais, por tudo o que estava acontecendo e pelo meu novo propósito, um dos prisioneiros era a filha de Seu Figueiredo, Senhorinha Carmem, envolvida com comunistas, capturada pelos militares e eventualmente seria torturada, e todo o ódio que manifestei à pouco tempo, estava voltando, eu fiz tudo o que disse que faria com a mente de Pablo, só que eu fiz algo para saciar minha dor e raiva, lembrei de uma historia que Seu Figueiredo me contou anos atrás, uma lembrança de quando era pequenino, de ter pego um pássaro machucado e o esmagado com as mãos, mas ele sentia remorso do ato... Eu não sentiria.

Transformei todas as lembranças boas em tragedias, todas as conquistas em perdas, todo o amor em ódio, ao mesmo tempo que esmagava sua alma. O reflexo disso eram gritos, choro, pedidos de clemência, ele tentava argumentar com entes queridos que não estavam lá, imagens criadas por mim que enalteciam sua loucura, em sua pele feridas abriam do nada, seu cabelo e dentes despencavam, dos olhos lagrimas de sangue, não havia mais cartilagem entre as juntas e os ossos raspavam em outros ossos, eu passei por cima de sua mente como se fosse um trem de carga atropelando um cavalo pastando nos trilhos, por pouco não o destruí sem que desse o depoimento. Apenas o Tenente conseguia olhar a minha obra, todos os outros desviavam da cena aterradora. Por fim eu o transformei em uma criança com problemas mentais, que tremia de medo, desdentado e careca, todo maculado, com problema nas juntas, nos joelhos e na coluna, acabei com a vida dele.






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