CLARIDADE MOMENTÂNEA


O salão ecoava a musica clássica, violinos, piano, violoncelos, os instrumentos no ponto alto da musica, no clímax, sons as alturas e de repente tudo parou, apenas um violino continuou, melodia triste e chorosa, o fiar de teias de uma aranha na telha, o voo suicida de uma mariposa para a chama da lareira. Um canto melancólico acompanhou a solidão do violino, vocal lírico feminino, cantava sobre o amor platônico, cantava sobre as dificuldades da obtenção daquele amor, cantava sobre morrer aos poucos por aquilo que não aconteceria... Morrer.

A opera era reproduzida pelo gramofone vermelho no canto da sala, próximo a lareira quase apagada, a lenha estalou com o calor e uma nova língua de fogo surgiu. O cômodo era negro, a escuridão ia ganhando da luz do fogo, mas quando a chama apareceu, brilhou assustando as sombras por pouco.

Pontos cintilantes marcaram o piso de mármore, frio como gelo, a pouca luz da lareira estava sendo refletida. Uma trilha que entrava na escuridão, uma fila de gotas escarlate mostrava o caminho, o sangue pintava de vermelho o mármore esmeralda.

O céu era noite, à noite eram nuvens e as nuvens escondiam a lua. Nenhuma iluminação passava pelas varias janelas do local, que só podiam ser vistas por que o brilho da lareira refletiu nos vidros lisos. O vento soprou forte, o silvo sinistro foi mais alto que a musica, uma das janelas estava entreaberta, agora o vento noturno vencia a densa cortina que cobria o brilho da lua cheia, invadindo sem cerimônias, revelando o salão pouco a pouco.

A primeira janela revelou morte, sete corpos no chão, a claridade continuava a se alastrar revelando mais corpos, no total quarenta e seis mortos. Homens e mulheres, vestidos com suas melhores roupas, usando suas melhores joias, garrafas de bebidas quebradas o liquido misturava-se com o sangue e borbulhavam, chiando baixo , canapés jogados nas poças vermelhas agora eram esponjas cheias de sangue. A pele fora dilacerada, pescoço e punhos eram os alvos, rasgados brutalmente. Faltava uma janela ser banhada pela luz alva, o ultimo canto escuro do salão, o vento forte parou e as nuvens moviam-se preguiçosamente, a grande esfera já estava para testemunhar toda a cena.

- Senhorita, senhorita, tão bela, tão bela. Tua voz de anjo faz meu corpo pecador tremer, teu belo corpo me faz matar. – A voz veio da escuridão, tom sofrido e pesaroso.

A lua brilhou, iluminou curiosa o cômodo. Um casal estava sentado no chão, nos braços do homem uma mulher linda repousava sem vida, cabelos negros, seios fartos, vestido branco se abria em um decote generoso, delineava suas curvas perfeitas, a mais bela da festa. Quem a segurava não era homem, era um monstro, pálido com o rosto marcado por veias, olhos quase totalmente brancos, pois ainda havia um ponto negro em cada globo, dentes pontiagudos e longos, lábios pintados de vermelho. Suas mãos acariciavam gentilmente os ombros da moça, já não descia mais sangue nos furos do pescoço.

Minutos se passaram, a criatura abraçou o corpo gélido da mulher, parecia chorar, mas na verdade sorria. De repente um espasmo no cadáver, o abraço ficou mais apertado, as pálpebras levantaram revelando olhos rubros, a boca abriu tomando fôlego, o Maximo que pode. Ela congelou na posição, rosto virado para cima, olhos fixos no teto, boca aberta, língua tremula e caninos crescendo lentamente.

O homem a apertou ainda mais contra o corpo, beijou-a varias vezes no rosto, parecia arrependido e aliviado ao mesmo tempo, seus lábios foram lentamente aos ouvidos dela.

- Seja minha...

Voz sussurrante, um vento amaldiçoado vindo diretamente do inferno, cheio de pecados e luxuria, cheio de morte e ambição, um perfume irresistível da mais bela e letal flor. Uma suplica.

Ela nada falou, apenas fez um gesto, tão sutil quanto o anoitecer de inverno que deixa tudo escuro mais rápido, mas quase imperceptível. Um sorriso cheio de malicia brotou no rosto daquela mulher, tão natural, tão selvagem. Esse foi o momento que sua humanidade acabou, esse foi o momento que ela abraçou o monstro.


A lua foi encoberta novamente, os dois sumiam vagarosamente na penumbra. A lareira já não conseguia sustentar o fogo e apagou. Uma nova musica chegava a seu clímax, as tubas e o órgão combinavam-se em sons pesados enquanto um tenor cantava quase como se declamasse, uma canção sobre a MORTE!

The Great White por lpeters

Comentários

Postagens mais visitadas